sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Poema das espessuras


Poema das espessuras

Espesso
Espesso porque um poema é espesso
Espesso porque ao escreve-lo
o poeta se sente espesso,
Espesso também
porque tudo ao redor é espesso.
Espesso porque é espessa a vida
e o sentimento que em roda há.
É espesso porque também
é espesso o intragável:
é espesso porque a fome é intragável
porque a miséria é intragável,
porque o mundo gira e é intragável.
É espesso porque a lama é espessa
e fertiliza a miséria de todos os mocambos.
É espessa porque também é espesso o sangue
que derramamos todo dia quotidianamente...
Espesso porque suamos frio,
é espesso porque o suor fede
e fedem os cães e fedem as fezes
e fede tudo que é espesso...
É espesso porque este poema fede
e não sabemos a causa de sua morte.
Mas a morte também é espessa,
com sua carroça a cortar o tempo,
e a ceifar-nos sem medida, irmanamente.
É espesso porque o tempo não pára e é espesso
com seus segundos nos matando...
É espesso porque também todas as alegrias são espessas
e nos unem num momento de comunhão divina.
É espesso porque o divino é inalcançável
e o inalcançável é espesso.
Ah, mas é espesso porque o próprio homem é espesso,
porque o homem precisa de uma mulher
e porque a mulher é um ser espesso...
e também porque toda forma de amor é espessa,
ligada, viscosa como uma grande mucosa espessa.
É espesso porque o coração é espesso
e porque o coração está na mente
e tudo que pensamos é espesso.
Tão regurgitável como um vômito espesso
que lança fora nossas paixões-entranhas,
é o mundo grande a rodearnos sempre
com seus tentáculos ditos humanidade
e com seu cheiro de morfo espesso.
É finalmente, é espesso porque estamos no mundo,
e o mundo está no sistema,
e o sistema numa galáxia,
e a galáxia está no universo
e o universo é espesso!

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