sexta-feira, 15 de março de 2013

A rosa desfolhada III


Como eu soube mais tarde,
esta noite morreu a rosa.
A rosinha que encantava
o jardim de Venturosa.

Morreu a rosa, coitadinha.
Nem seu cheiro nos deixou.
Nem lembrança, pois ela
é nada mais que uma flor.

E é das flores murcharem,
sua lembrança é das muitas
outras que vem e que passam
adornando o aroma dissoluto.

Mas se foi, a pobre rosinha,
não podia ser eterna...
iria murchar a coitadinha
caindo pétala por pétala.

E hoje eu passo, passo, passo:
Sou moça, bonita, e que importa?
Amanhã eu serei velha, velhinha.
Mas será que um dia eu

poderei dizer encostada ao canto.
Hoje eu sou talo
mas ontem eu fui rosa?

As mãos que tenho hoje.


I
Eu não teria 
as mãos que tenho hoje
se ao afago
as carícias
não tivessem teu toque.
Não seriam
as mãos que angélicas
se entrecruzam
os dedos. Se declaram.
E se mesclam...

Não, não seriam
as mãos que de seda
percorrem o corpo...

(arrepio)

... não seriam tampouco
as de unhas afiadas
a causar a dor
que tu gostas.

II

Por um tempo
eram vergonha
ter mãos que ágeis
iam aos recantos
que íntimos se ocultavam.
Por outro era desejo
ter mãos que te
despissem
involuntariamente
das roupas:
da blusa
do blazer,
das meias
dos sapatos...
Por um tempo ainda,
as mãos se escondiam
por serem mãos de fada
que a cada toque
queriam desvendar teu truque,
e ainda outro...
as mãos de açoite
que rejeitavam
com fúria
a luxúria de teu toque.

III
As mãos hoje
não ofendem
não maltratam
não empurram
nem afastam.

As mãos hoje
não pedem basta
apenas te envolvem
de acolhem,
se dispõem
de canções
e te abraçam! 

terça-feira, 12 de março de 2013

A pomba e a serpente.



Sede prudentes como as serpente e simples como a pomba. (Mateus 10:16)

Filha, não corras pelas pradarias!
Deixa-te estar imóvel e triste
nas solidões desta campina...

Mãe, eu nasci livre e salto
não me posso quedar quieta
se meu coração é um pássaro.

Filha, quebrarás as asinhas
que eu cuidei com o orvalho
que se colhe das colinas...

Deixa estar, eu vou mãe amiga,
percorrer estes verdes prados
até o pinhal de Leiria...

Leva-me pelas mãos pequeninas
que hei de sustentar as tuas
quando chorares das feridas.

O tempo há de sanar o peito,
mãe, que sei que sangrará
por sobre os campos do Alentejo.


E assim se foram mãe e filha
percorrendo as pradarias
uma cantando, outra chorando,
nas esquinas de toda a vida.

terça-feira, 5 de março de 2013

A luva preta


Aquela luva tão preta
escondia dentro dos panos
uma marca de tristeza.

Tal os poemas lorquianos
que na alegria da pena,
faziam prantear os dedos.

E quando acariciava
seu toque lembrava
a linda Perséfone...

que ao reino das sombras
vigiado por Cérbero
entregou o óbolo vivo

a Hades, senhor dos medos.

A história de Odorico


Odorico estava construindo um edifício de tijolos vermelhos perto de um terreno íngreme. Certo dia ele deixou-se levar pela preguiça e colocou um dos tijolos-base de forma errada. Ele sabia que aquilo era perigoso, mesmo assim colocou aquele tijolo mal botado. E continuou a construir. Um dia ele sentiu vergonha do que fez, mas não podia mais remover aquela peça. E as pessoas que passaram na rua perguntavam: “Por que o Odorico colocou aquele tijolo daquela forma?”. Muitos amigos ainda acreditaram no Odorico, mesmo que não pudessem mexer no que ele já havia feito. Alguns o estimularam a plantar flores, árvores frutíferas: com o tempo as pessoas passariam a ignorar aquele tijolo. E ele fez isso. Dia após dia Odorico cuidava do jardim que tinha plantado para esconder sua vergonha. Mas o tijolo estava lá. Um dia alguém lhe disse, tira o tijolo, talvez a casa caia, mas pelo menos você se livra disso. Odorico tinha vergonha daquele tijolo, mas também tinha medo de machucar o jardim que tinha plantado e cuidado com tanto amor. Porém ele sabia que um dia uma dessas flores iria bater no tijolo e iria se machucar de toda forma. E o que ele fez? Decidiu tirar o tijolo. Infelizmente metade da casa caiu e machucou muitas plantas do jardim, e das mais bonitas. Odorico tentou desesperadamente salvar as que tinham vida. E até que conseguiu, mas a casa... aquela que ela amava, mesmo com aquele tijolo torto, ficou com as paredes tortas e nunca mais foi a mesma.

O tempo e os rastros (Monólogo em versos)

O TEMPO E OS RASTROS (Há uma senhora sentada, olhando para a plateia. Ela quer nos dizer algo, mas tem dúvida de como fazê-lo, plane...