Principais
aspectos da administração espanhola.
Logo após a conquista dos grandes
impérios pré-colombianos por parte da Espanha, deu-se início a um processo de
subjugo das sociedades indígenas que acabou por desmantelar a comunidade aldeã
no seu modo primeiro e incorporou-a à dinâmica comercial europeia. No entanto,
o predomínio de não quer dizer o desaparecimento da outra. Como bem frisa
Ronaldo Vainfas, o processo de conquista se deu tanto por imposição, como por
aculturação, e aculturação recíproca... Violenta, mas recíproca. Daí podermos
afirmar que no processo de formação da máquina administrativa espanhola no Novo
mundo houve dois momentos. O primeiro, que ocorreu entre 1494 e 1542, logo após
a conquista, e que foi marcado pela conjunção de instituições ibéricas oriundas
da reconquista, como a encomienda, com instituições de
origem mesoamericana e andina, como a mita e
o cuatéquil. Com o surgimento dês Leyes nuevas
inaugura-se um novo período na administração hispânica, oriunda da necessidade
de a Coroa controlar melhor os seus domínios e evitar usurpações. Caracteriza
essa fase o declínio da encomienda que, com a formação
dos vice-reinos, levou, consequentemente, a maturação de uma elite colonial
burocrática.
Antes de qualquer coisa, quem
analisa o contexto do domínio do Novo mundo precisa ter nos olhos a lente de
quem o conquistou. Perguntemo-nos que novos rumos essa conquista traçou, posto
que vastos territórios oferecem inúmeras formas de administrá-lo e inúmeros
problemas a ser solucionados – ou, pelo menos, amenizados. Comecemos, pois, por
esboçar o seguinte painel. Quando Carlos V assume o trono do Sacro Império no
ano de (), mandou grafar em seu brasão a frase Plus ultra
– mais além -, incrustada entre as duas colunas de Hércules, afirmando seu
desejo expansionista. Pois bem, a conquista da América trouxe essa
possibilidade de uma maneira bastante real. Pela primeira vez na história surge
um império transoceânico. Entretanto, como se sabe, esse Novo mundo não estava
desabitado. Havia inúmeras populações que iam desde o estado tribal até sociedades
altamente hierarquizadas e complexas, mas com uma semelhança entre si. O seu “American way life” de forma alguma era compatível
aos moldes europeus. Era preciso civiliza-los. Incluí-los nesse mercado e modo
de ser do Velho mundo, porque, acima de tudo, esses territórios serviam pra
atender a necessidades comerciais de uma Europa que ansiava pelas tão cobiçadas
especiarias, e por ouro e prata. Nesse contexto, a Espanha saiu privilegiada e,
principalmente Castela, posto que a bula intercoetera,
emitida em 1493 por Alexandre VI concede as terras descobertas, não ao rei da
Espanha, mas aos Reis de Leão e Castela. Do ponto de vista institucional, essa
medida determinou a reprodução de instituições aristocráticas baseadas no
latifúndio, típico da política castelhana e que viriam a caracterizar boa parte
da administração colonial.
Sendo, pois, posse de Castela, os
emigrantes d’outras províncias teriam limitações para ingressar. Para controlar
esse fluxo de gente e, como também de mercadorias, foi criado em 1503 a
primeira Casa de La contratación. Esse
órgão era responsável pelo transito de coisas e mercadorias entre homens e
mulheres entre Espanha e América e estava sediado em Sevilha. A sua criação
advém da necessidade de centralizar a administração, controlar de forma
eficiente o comércio, conservando-o em mãos nativas e mantendo longes elementos
indesejáveis. Chamamos a essa medida de política do porto único (Ronaldo
Vainfas É claro que os aventureiros e interessados nos negócios no Novo mundo
sempre deram um jeito de burlar essas restrições. Com o tempo a crescente
pressão comercial forçou o desenvolvimento institucional, sendo preciso a
formação de um aparato burocrático mais formal. Em 1523 foi criado o Conselho
das Índias que, como o nome já diz, tinha uma função conciliar. Isto é, era o
espaço em que se combinavam os interesses plurais de cada sector interessado
com os da Coroa, representando o estado unificado. É necessário que se note
que, ao contrário dos demais conselhos peninsulares, esse conselho das Índias
estava na práxis fora do contexto real da colônia, o que fazia com que muitas
de suas deliberações não atendessem às reais demandas dos súbditos nos
territórios ultramarinos. A consequência disso seria a criação de uma casta de
burocratas que estavam preocupados mais em legitimar que inovar – e quando
falamos em legitimar, dizemos em legitimar a si mesmos como membros de uma
elite. No entanto, e verdade seja dita, é meio difícil pensarmos em uma
inovação e criatividade burocrática quando nos deparamos com os inúmeros
problemas que a Coroa se deparava, dentre eles, e um dos principais, estava a
distância. Por isso, uma vez determinadas as diretrizes da máquina
administrativa e estabelecida a sua estrutura, tendia-se a assegurar que se
mantivesse uma rotina. E como o aparato estatal era muito centralizador, o
melhor, para ambos os lados seria, ao invés de se rebelar contra ele, explorar
as suas fragilidades, o que não era muito difícil, pelo que o tempo mostraria.
A
disseminação d’autoridade baseava-se numa distribuição dos deveres entre os
funcionários. No entanto era possível, e até frequente, que um mesmo
funcionário detivesse vários tipos diferentes de função. Isso, com certeza,
causou atritos, posto que uns tendessem a controlar os demais e opor a autoridade
de um a outro. As primeiras figuras a representar a autoridade da Coroa em
território americano foram os gobernadores, cargo geralmente
ocupado pelos conquistadores. Figuras análogas aos donatários d’América
portuguesa, a eles foi concebido o direito de dispor de terras e de
índios. É claro que nesse período, a encomienda
teve um papel fundamental, visto que conferia àquele que a geria o direito de
cobrar impostos sobre as populações indígenas. No entanto, não é preciso ser um
hábil observador para perceber que tais prerrogativas, juntamente com o direito
a exercer justiça nas áreas de sua jurisdição, conferiam grandes poderes a quem
as detinha, o que não era bom para a Coroa. Na verdade, num momento inicial, a
concessão de tais privilégios servia de atrativo àqueles que queriam obter fama
e dinheiro. Porém, a sua perpetuação acabaria criando uma casta de “senhores
feudais”. Sabendo disso, e como a mão que afaga é a mesma que apedreja, cuidou
a Coroa de adapta-la de modo a torná-la mais inofensiva. Para isso procurou
diminuir o poder dos conquistadores, lutando assiduamente pelo fim da encomienda
e designando uma nova casta de gobernadores,
não mais adelantados, mas administradores.
De todas as formas mantiveram-se as prerrogativas administrativas, judiciais e
militares, mas estas seriam de menor importância, posto que seriam delegadas a
uma unidade administrativa de maior poder: o vice-reinado.
Criada
quando da conquista por Colombo, deixada de lado após a morte de sua viúva,
revivida em 1535 e legitimada pelas Leyes
nuevas em 1542, essa unidade
administrativa estava no topo da hierarquia das instituições criadas nas Índias.
Delegado por parte dos Monarcas, o vice-rei era alter ego
do rei e unia em sua pessoa os atributos de governador em capitão-mor, assim
como também o cargo de presidente da audiência,
considerado o principal representante judicial da coroa. É claro que tamanho
prestígio e a possibilidade e lucro que podia ser auferida com ele despertou o
interesse de famílias nobres, que viram no cargo a chance de consumar as suas
ambições. De fato, aqueles que prosperavam em sua administração tornavam-se
benquistos diante da Coroa e do Conselho das Índias, todavia muito
frequentemente esses vice-reinados traziam desapontamentos e, ao contrário de
enriquecer e enobrecer, empobreciam e traziam má fama. Na verdade muitas dessas
decepções advinham da impossibilidade de seguir certas prerrogativas impostas
aos vice-reis, como o de não casar-se com mulheres da colônia, nem estabelecer
alianças com populações locais etc. No entanto, como se disse acima, muitas
vezes as leis emitidas na metrópole não correspondiam à real situação das
colônias. A formação de um aparato burocrático nos territórios ultramarinos
formou também uma elite colonial, elite que fazia de tudo para consolidar sua
posição, da mesma forma que os vice-reis mais ajuizados fariam. Mesmo sendo um
alto cargo representativo, o vice-rei não deixava de ser um funcionário régio.
Dentre suas várias funções burocráticas havia aquela que era fazer cumprir as
leis que Madrid emitia, leis estas que serviam como um tratado geral dos
desígnios da Coroa, coisa que era pra ser levada em conta. Uma dessas leis era
a provisión, uma lei geral
relativa às questões de justiça ou de governo e que comunicava uma decisão real
ou do Conselho das Índias. Vinha assinada Yo El Rey
e era emitida num documento chamado cédula
real. Não constando de destinatário, mas corporificando as decisões do
Conselho das Índias ou audiências
estavam os autos. Um fato
interessante a ser notado era o número de leis que eram expedidos pela Coroa –
Diego de Encinas fez uma compilação de cerca de 3000 delas. E mais interessante
ainda era o número delas que era repetido, o que denota o alto grau de
descumprimento a elas. Malgrado isso, os vice-reis não podiam fazer vista
grossa à sua existência, posto que os ouvidos dos oídores
estavam atentos a quaisquer deslizes cometidos pelos mesmos. É claro que essa
fiscalização era muito menos movida pelo zelo no cumprimento da lei do que
pelas intrigas políticas das aristocracias que se formaram no lado de cá do
Atlântico. Mas já que se citou tanto as audiências,
falemos um pouco delas.
Empregando-se
de cerca de noventa cargos ocupados por cerca de mil homens durante quase dois
séculos de domínio Habsburg na
Espanha, a audiência era o órgão
responsável pela parte jurídica do vice-reinado, assegurando o adequado
cumprimento das leis no Novo mundo. Apesar do seu papel de tribunal supremo,
muitas vezes as audiências adquiriram
outros atributos, exercendo a função de governo entre a partida de um vice-rei
e a chegada de outro. Essa forte influência administrativa, tendo contacto
direto com o Conselho das Índias, inclusive, deu a esse órgão um status ainda
não visto em parte nenhuma do Império. Não seria de surpreender que os grupos aristocráticos
do Novo mundo brigassem às tapas por um assento nessas audiências. Na verdade é preciso que se frise presto, e estamos
tardios em fazer isto, que era mais que comum o uso da máquina pública para
fins individuais, o que comumente se designa por corrupção; e se os espaços
públicos eram espaços onde, teoricamente, a vontade real se veria cumprida, ou
pelo menos se prezasse por isso, eles, antes de qualquer coisa, serviram para
legitimar a aristocracia criolla que se usava deles
para conquistar seus interesses, indo muitas vezes de encontro à vontade de
Madrid. Fechando esta explanação, voltemos nossos olhos alguns cargos que
faziam parte do corpo burocrático das audiências.
Em primeiro lugar estavam os sobrecitados oídores
ou juízes d’audiência, responsável por fiscalizar as ações dos vice-reis,
além de ocupar um lugar de juiz na comunidade colonial. Deles, assim como os
vice-reis, cobrava-se que não houvesse mistura com o gentio ao seu redor. Mas
eles, assim como os vice-reis, acabavam por não cumprir essa prerrogativa, de
modo a assegurar sua permanência e poder dentro da estrutura colonial.
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